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quinta-feira, 7 de abril de 2011

Dia Mundial da Saúde: há algo a se comemorar?

Todas as vezes que ouvimos falar sobre a Saúde, principalmente a saúde pública, existe uma tendência quase que universal de que o que será dito a respeito do assunto tem natureza crítica e depreciativa. Não é para menos. Às vésperas de mais um Dia Mundial da Saúde, seria bom refletir com um pouquinho mais de profundidade a respeito de um tema tão relevante, sem cair na cantinela rasa com que a maioria das críticas se apóia.

É fato que existem muitos motivos para que o nível de satisfação do usuário seja tão baixo, independente de o sistema de assistência ser público ou suplementar. Problemas de financiamento, de falta de políticas claras de administração de pessoal, de capacitação e de gestão de unidades de saúde são enunciados para justificar a falta de eficiência do Sistema Único de Saúde - SUS. Na outra esfera, com uma inflação “da saúde” maior que a planejada, acompanhada do aumento de externalidades, da expectativa de vida da população e dos custos médicos, a medicina suplementar tenta encontrar a melhor forma de se manter viva no cenário. Interessante é que a despeito de tantos problemas, tanto de um lado quanto de outro, ambos os sistemas coexistem e ainda assim têm a aprovação de grande parte dos usuários que deles fazem uso.

Mas o propósito desta exposição não é fazer um comparativo entre ambos, e sim levantar a questão da saúde como um todo.

Dr. José Carvalheiro, em artigo publicado na Revista Estudos Avançados em 1999 intitulado “Os desafios para a saúde – Dossiê Saúde Pública” (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141999000100002) faz uma interessante reflexão sobre o tema. Sem cair na tentação de repetir o óbvio, nos apresenta uma visão polissêmica deste dilema, nos mostrando que, antes de ser um problema nosso, é principalmente mundial. Inclusive em países como os Estados Unidos da América, que dedica 16% de seu produto interno bruto para financiar a saúde e é detentora de uma população de aproximadamente 40 milhões de pessoas totalmente à margem de qualquer tipo de assistência nesse quesito. A soma de população de vários países da África Subsaariana não chega a esse número.

No mesmo artigo, o autor faz uma comparação entre o jogo de forças em âmbito mundial, quando do estabelecimento de políticas de saúde para os países em geral: de um lado os princípios elementares da medicina social e da equidade/universalidade no planejamento e aplicação destas políticas pela Organização Mundial da Saúde – OMS e da Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS; e de outro os princípios neoliberais de economia da saúde, seletividade na aplicação de recursos, competitividade e marcos regulatórios administrativos e econômicos fomentados pelo Banco Mundial. No meio desse jogo de forças, sistemas completamente heterogêneos, planejados de forma assincrônica ou simplesmente não planejados, sub-financiados e não sustentáveis, que caracterizam as políticas de saúde pública vigentes na maioria dos países pobres ou em desenvolvimento, como o nosso. Desse jogo de forças resulta a configuração de um sistema de saúde em países pobres.

Tão importante quanto dissecarmos os problemas relacionados aos sistemas de saúde, principalmente os públicos, e os motivos pelos quais não atingem seus objetivos, está a necessidade, na maioria das vezes esquecidas pelos governantes que se encontram na ponta do sistema, de internalizar a simbiose entre eficácia de medidas especificamente voltadas para os cuidados em saúde, e o cenário sócio-político no qual cada sociedade está inserida. Como dizia o Prof. Sérgio Arouca, por ocasião da realização da XII Conferência Nacional de Saúde, “O Movimento da Reforma Sanitária criou uma alternativa, que se abria para uma análise de esquerda marxista da saúde, na qual se rediscutia o conceito de saúde/doença e o processo de trabalho, em vez de se tratar apenas da relação médico/paciente. Discute-se a determinação social da doença e se introduz a noção de estrutura do sistema. Começamos a fazer projetos de saúde comunitária, como clínica de família e pesquisas comunitárias, e fizemos treinamento do pessoal que fazia política em todo Brasil.”(Revista RADIS, pág. 9, número 16, dez/2003).

As bases do nosso sistema de saúde são robustas e inteligentes. Seus idealizadores tinham noção bastante clara do que, dentro dessa perspectiva, seria necessário para romper a exclusão social na qual a maior parte da população vivia na época. Dentro de um sistema hegemônico neoliberal em que vivemos, vale a pena revisitar esses conceitos que se encontram atualíssimos.

Deficiências versus avanços. Defasagem versus tecnologias. Coletivo versus individual. Em que ponto nos encontramos?

Se não há consenso, melhor não generalizar. Se não há uniformidade, melhor não padronizar. Se não há satisfação ampla, melhor não rotular.

O conceito de saúde ideal é vasto, multi-dimensional, profundo, complexo e extremamente entrelaçado com outros aspectos de nossa cultura e condição social. Afirmar peremptoriamente que é bom ou ruim tem mais a ver com que se ouve por aí ou por experiências pessoais (ou de seus familiares, amigos, amigos dos amigos, etc..).

Nesse Dia Mundial da Saúde convoco a todos, médicos e todos aqueles que de alguma forma podem contribuir para o bem estar de alguém, que simplesmente façam a sua parte. Saúde não tem pai nem mãe. É um conceito do qual nos apropriamos e fazemos uso.

Para o bem ou para o mal.